terça-feira, 10 de março de 2009

Direito ao auxílio-reclusão dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.


A exegese do art. 13 da Emenda Constitucional nº 20/1998, paralelamente à inconstitucionalidade da Lei Complementar distrital nº 769/2008

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Antônio Carlos Alencar Carvalho
procurador do Distrito Federal, advogado em Brasília (DF)

I. Introdução
1. Questão intrincada na doutrina e jurisprudência concerne à exegese do art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998, no que concerne ao direito ao percebimento de auxílio-reclusão pelos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo na Administração Pública.
2. É importante que se tenha em mente a intenção do legislador ao instituir o benefício previdenciário do auxílio-reclusão, a fim de que se possa chegar a uma conclusão jurídica sobre o instituto que se coadune com a finalidade a ele atribuida, particularmente sob uma ótica exegética constitucional.
II. Disciplina do auxílio-reclusão na Lei federal n. 8.112/1990
3. Trata-se de um benefício previsto pela Lei federal n. 8.112/1990, cujo beneficiário não é o próprio servidor, senão os seus dependentes, que se verão desamparados pela prisão de seu provedor. Visando à subsistência da família, que não pode se deixada à míngua e, tampouco, perecer financeiramente em caso de aprisionamento cautelar ou definitivo do chefe ou arrimo da família, o auxílio-reclusão está descrito no art. 229, in verbis:
Art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores:
I – dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão;
II – metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda de carto.
§1º. Nos casos previstos no inciso I deste artigo, o servidores terá direito à integralização da remuneração, desde que seja absolvido.
§2º. O pagamento do auxílio-reclusão cessará a partir do dia imediato àquele em que o servidor for posto em liberdade, ainda que condicional.
4. Sobre o instituto do auxílio-reclusão, pede-se vênia para transcrever algumas notas constantes de nosso livro [01]:
9.1.16 Auxílio-reclusão e prática de crime comum cuja sentença penal condenatória respectiva não determina a perda do cargo público
Tanto é verdade que a prática de crime comum (não tipificado de forma autônoma na Lei n. 8.112/1990 como causa de demissão) impede a imposição de pena disciplinar (pelo menos a punição pela prática do crime e pelos prazos da lei penal, admitindo-se, porém, o reenquadramento para ilícito disciplinar puro) que o próprio Estatuto dos Servidores Públicos Federais capitula que, durante o cumprimento de pena criminal por crime comum, a família do servidor preso receberá auxílio-reclusão (art. 229, Lei n. 8.112/1990). [02]
Ivan Barbosa Rigolin confirma que, de fato, a Administração Pública não pode demitir servidor público por crime comum ou hediondo não tipificado como falta disciplinar passível de punições administrativas, modo por que o administrativista propõe que a Administração Pública demita o servidor que cumpre pena por delitos penais dessa natureza por inassiduidade habitual (solução que não se endossa, mas que prova a impossibilidade de demissão em caso de crime comum não tipificado, de forma autônoma, como infração disciplinar):
À falta de melhor enquadramento na L. 8.112, deve-se indiciar em processo administrativo por inassiduidade habitual o servidor público condenado por crime comum ou hediondo, cumprindo pena, para o fim de, ao término do mesmo processo, demiti-lo do serviço público. [03]
Destaque-se, no entanto, data venia, que não se pode punir por inassiduidade habitual ou abandono de cargo o servidor que é condenado pela prática de crime comum, cuja pena não seja acompanhada de sanção acessória da perda do cargo, mesmo porque o estatuto prevê o benefício previdenciário do auxílio-reclusão, o qual seria incompatível com a concomitante punição disciplinar demissória pelo mesmo fato amparado na disciplina da Lei n. 8.112/1990, além de o servidor estar submetido à circunstância de força maior (privação de liberdade em função de sentença penal condenatória em execução), que exclui a voluntariedade no cometimento de infrações disciplinares de abandono de cargo (animus abandonand" inexistente) ou inassiduidade habitual.
O correto será o pagamento de auxílio-reclusão, se a condenação criminal não implicou a perda do cargo público.
III. A exegese do art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998
5. A questão posta concerne à exegese da Emenda 20/1998, particularmente da nova redação que conferiu ao art. 201, da Carta, além do capitulado no art. 13 do ato reformador constitucional.
6. É preciso trazer a lume o disposto na redação original do art. 201, da Constituição Federal de 1988, juntamente com o capitulado na Emenda 20/1998, com vistas à melhor elucidação da controvérsia.
7. Rezava a redação original do art. 201 da Constituição Federal de 1988:
Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão;
II - ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda;
8. A seu turno, modificando o disposto no art. 201 da Carta, capitulou a Emenda Constitucional n. 20/1998:
Art. 1º - A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:
..........................................................................................................
"Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
.............................................................................................
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
.............................................................................................
Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.
9. A discussão que deve ser enfrentada concerne à aplicabilidade do dispositivo do art. 13, da Emenda n. 20/1998, aos servidores públicos de regime estatutário, titulares de cargo efetivo.
10. Em nosso ponto de vista, com a devida vênia dos que entendem diferentemente, o dispositivo em comento não incide sobre o regime previdenciário dos ocupantes de cargos de provimento efetivo dentre o funcionalismo público, mas, sim, sobre o pessoal vinculado ao regime geral da previdência social: servidores celetistas, contratados temporários e exclusivamente titulares de cargos comissionados.
11. Primeiro elemento que chama a atenção para esse juízo é que a Emenda 20/1998 procedeu, no pormenor, a uma nova redação do disposto no art. 201, da Constituição Federal, na Seção III (Da Previdência Social), cujo caput reza que "a previdência social será organizada sob a forma de regime geral [...]", modificando o anteriormente capitulado nesse artigo, que meramente referia, na redação original da Carta, que haveria plano de previdência social para cobertura de reclusão (antiga redação do inciso I do art. 201), com o fim de ditar que o pessoal vinculado ao regime geral de previdência social disporia do benefício de auxílio-reclusão, agora com a previsão inovadora, veiculada no inciso IV da nova redação do art. 201, dispondo que o direito previdenciário em destaque seria para os dependentes dos segurados de baixa renda.
12. Com vistas a imediatamente implementar o novo regramento determinado no art. 201 ao pessoal vinculado ao regime geral de previdência social, o art. 13, da Emenda 20/1998, estipulou que, enquanto não houvesse a superveniência de lei federal sobre a matéria, o auxílio-reclusão somente seria concedido aos segurados cujas famílias tivessem renda não superior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), parâmetro que seria progressivamente atualizado pelos índices de revisão geral dos benefícios da previdência social.
13. Segue, pois, cristalino que o art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998, teve em mira a regulamentação do capitulado no art. 201, IV, da Constituição Federal, no que se refere ao benefício para o pessoal do regime geral de previdência social.
14. Ora, o fato de a Emenda n. 20/1998 ter estipulado nova redação ao art. 201, da Carta Magna, que cuida do pessoal atrelado ao regime geral de previdência social, conferindo direito aos segurados e dependentes da iniciativa privada, além dos servidores públicos atrelados ao sistema geral (celetistas, contratados temporariamente e titulares apenas de cargos comissionados, sem vínculo efetivo com a Administração Pública: art. 40, § 13, Constituição Federal de 1988), evidencia que o ato legislativo reformador não se voltou, em seu raio normativo, ao pessoal regrado pelas disposições do art. 40, da Lei Maior, os servidores públicos titulares de cargo efetivo, com regime especial previdenciário distinto.
15. Basta ver que, em nenhum momento, a Emenda 20/1998 mandou aplicar expressamente aos servidores públicos titulares de cargo efetivo, com regime especial previdenciário distinto, disciplinado no art. 40, da Carta, a regra do art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998, nem ainda se procedeu a alteração dessa natureza no próprio texto constitucional, no art. 40, da Constituição Federal. Não. Não foi promovida alteração legislativa desse teor porque a nova redação conferida ao art. 201, IV, não se reflete senão sobre o pessoal vinculado ao regime geral da previdência social, o que não é o caso do funcionalismo com vínculo profissional permanente com o Estado, titulares de cargo público efetivo, com regime previdenciário próprio.
16. Se a Emenda 20/1998 tivesse pretendido estender o disposto no art. 201, da Constituição, ao pessoal atrelado ao regime previdenciário especial definido no art. 40, da Carta, a referida emenda teria acrescentado algum preceptivo desse conteúdo na Seção II (Dos Servidores Públicos) do Capítulo VII (Da Administração Pública) do Título III (Da Organização do Estado), no próprio art. 40, o que não ocorreu – e não por um mero erro de técnica legislativa, mas, sim, porque a alteração foi destinada ao art. 201, da Constituição Federal, na Seção III (Da Previdência Social) do Capítulo II (Da Seguridade Social) do Título VIII (Da Ordem Social), para o pessoal vinculado ao regime geral da previdência social.
17. A confusão ocasionada a alguns juristas, data venia, decorre da equivocada interpretação realizada sobre o disposto no art. 13, da Emenda 20/1998, quando utiliza o termo "servidores" como beneficiários do auxílio-reclusão criado no art. 201, IV, da Constituição Federal, haja vista que alguns, numa exegese mais apressada, supõem que a locução servidores aludiria aos titulares de cargo efetivo, o que não é a compreensão mais escorreita, concessa venia.
18. A expressão servidores, no texto constitucional, não é privativa dos titulares de cargo efetivo, mas abrange, também, os ocupantes de emprego público, os temporariamente contratados e aqueles investidos exclusivamente em cargo em comissão, sem vínculo permanente com o Estado.
19. A Constituição Federal intitula os ocupantes de emprego público e outros de servidores nas seguintes disposições:
Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;
Art. 39..................................................................................
.............................................................................................
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
.............................................................................................
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003):
.............................................................................................
§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
20. Nota-se que o próprio legislador constituinte, tratando de hipóteses de exercício de mandato eletivo federal, municipal, distrital ou estadual, prescreveu o afastamento do servidor de seu emprego público, assim como ainda dispôs sobre a incidência de vantagens do regime trabalhista aos servidores ocupantes de cargo público, implicitamente como espécie do gênero servidores públicos, ao qual se acrescentam os titulares de empregos públicos, os contratados temporariamente e os ocupantes meramente de cargos em comissão (art. 40, § 13, Constituição Federal). Demais, a própria Carta classifica de servidor, vinculado todavia ao regime geral de previdência social, o ocupante de emprego público (art. 40, § 13, Constituição Federal). É, pois, o próprio texto constitucional que não privatiza o termo servidor público como título exclusivo dos titulares de cargos de provimento efetivo, mas também estende essa classificação para os empregados públicos, os contratados temporários e os comissionados com vínculo estatutário.
21. Não há nada de surpreendente na denominação servidor público ser utilizada, na própria Constituição Federal, para alusão aos empregados públicos, contratados temporários e os exclusivamente comissionados com vínculo estatutário, visto que a doutrina referenda essa nomenclatura. Maria Sylvia Zanella Di Pietro anota:
São servidores públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviços ao Estados e às entidades da Administração indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos. Compreendem: 1. os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos; 2. Os empregados públicos, contratados sob o regime da legislação trabalhista e ocupantes de emprego público. [...] Os da segunda categoria são contratados sob regime da legislação trabalhista, que é aplicável com as alterações decorrentes da Constituição Federal [...] Nos Estados e Municípios, os servidores celetistas reger-se-ão pela CLT com as derrogações constantes da própria Constituição Federal [...] A Constituição de 1988, que substituiu a expressão funcionário público por servidor público, previu, na redação original, regime jurídico único para os servidores da Administração Direta, autarquias e fundações públicas (art. 39). A partir da Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-98, a exigência deixou de existir, de modo que cada esfera de governo poderá instituir o regime estatutário ou o contratual, não havendo necessidade de que o mesmo regime adotado para a Administração direta seja igual para as autarquias e fundações públicas. [...] Quando se passou a aceitar a possibilidade de contratação de servidores sob o regime da legislação trabalhista, a expressão emprego público passou a ser utilizada, paralelamente a cargo público, também para designar uma unidade de atribuições, distinguindo-se uma da outra pelo tipo do vínculo que liga o servidor ao Estado; o ocupante de emprego público tem um vínculo contratual, sob a regência da CLT. [04]
22. O consagrado administrativista José dos Santos Carvalho também intitula de servidores os ocupantes de emprego público:
A segunda categoria é a dos servidores públicos trabalhistas (ou celetistas), assim qualificados porque as regras disciplinadoras de sua relação de trabalho são as constantes da Consolidação das Leis do Trabalho. Seu regime básico, portanto, é o mesmo que se aplica à relação de emprego no campo privado, com as exceções, é lógico, pertinentes à posição especial de uma das partes – o Poder Público. [...] Para concretizar mais um dos vetores do projeto de reforma administrativa do Estado, iniciado pela EC 19/98, o Governo Federal fez editar a Lei n. 9.962, de 22/2/2000, disciplinando o que o legislador denominou de regime de emprego público, que nada mais é do que a aplicação do regime trabalhista comum à relação entre a Administração e o respectivo servidor. [...] Desejando admitir servidores pelo regime de contratação, deverão, como regra, obedecer à disciplina da CLT. [05]
23. Diógenes Gasparini [06] também chama de servidores (governamentais) os ocupantes de emprego público, juntamente com Celso Antônio Bandeira de Mello [07] (servidores empregados), o qual conceitua como servidores públicos "todos aqueles que mantêm vínculos de trabalho profissional com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios [...]." Edmir Netto de Araújo igualmente chama de servidores públicos os titulares de empregos públicos, com vínculo celetista contratual com o Estado [08], acompanhado ainda por Hely Lopes Meirelles [09].
24. Daí o equívoco, data venia, da apressada interpretação de que o mero fato de o art. 13, da Emenda Constitucional 20/1998, ter utilizado a expressão servidores (ao regulamentar o direito ao auxílio-reclusão previsto no art. 201, IV, da Carta, para o pessoal do regime geral de previdência social) teria supostamente o efeito de fazer incidir a regra ao pessoal atrelado ao regime especial previdenciário do art. 40, da Magna Carta.
25. Ressai claramente que os servidores que seriam contemplados pelo benefício previdenciário do auxílio-reclusão, instituído pela nova redação conferida ao art. 201, IV, da Constituição Federal, são, evidentemente, aqueles vinculados ao regime geral de previdência social, isto é, os ocupantes de empregos públicos, os contratados temporariamente e os meramente titulares de cargos comissionados, tal como previsto na própria Carta (art. 40, § 13). Não houve, como já exposto anteriormente, alteração da disciplina do pessoal atrelado ao art. 40 (regime especial previdenciário dos ocupantes de cargo de provimento efetivo), os quais não receberam tratamento jurídico por força de disposição que não lhes foi endereçada, porém inserida somente para outros: o pessoal do regime geral da previdência social, tanto que a mudança de redação, grife-se, foi para o dispositivo inserido no art. 201, e não no artigo 40, o que revela, inequivocamente, que o art. 13, da Emenda 20/1998, com o propósito de efetivar a novel disciplina do auxílio-reclusão para os servidores do regime geral previdenciário (empregados públicos, contratados temporariamente e titulares de cargos comissionados), não regrou a situação jurídica dos investidos em cargos permanentes na Administração Pública, os quais têm disciplina peculiar e distinta. Sobre a tripartição da disciplina do regime previdenciário brasileiro, confirma Kildare Gonçalves Carvalho:
São três os regimes de previdência social que integram o sistema previdenciário brasileiro: 1) o Regime Geral de Previdência Social, previsto nos arts. 201 e 202; b) o Regime previdenciário próprio dos servidores públicos, na forma dos arts. 39 e 40, acrescidos das disposições constantes da EC N. 20/1998, e legislação federal e estadual pertinente ao tema; c) o regime previdenciário próprio dos militares. [10]
26. Basta atentar, demais, para o fato de que o disposto no art. 229, da Lei federal n. 8.112/1990, ao que consta, continua em pleno vigor para os servidores públicos estatutários titulares de cargos de provimento efetivo, não tendo sido editado diploma federal posterior à Emenda Constitucional n. 20/1998 ab-rogatório do Estatuto do Funcionalismo da União, a evidenciar que a norma constitucional reformadora se endereçou somente aos servidores vinculados ao regime geral da previdência social.
27. Essa exegese mais precisa, no sentido de que o art. 13, da Emenda 20/1998, não se dirigiu senão aos servidores públicos atrelados ao regime geral da previdência social, é endossada pela autoridade da administrativista de escol Maria Sylvia Zanella Di Pietro (negrito não original):
De acordo com o artigo 229 da Lei n. 8.112/1990, é assegurado auxílio-reclusão à família do servidor ativo, nos seguintes valores: dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão; ou metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda do cargo. Pelo Estatuto de São Paulo (art. 70), o funcionário perde, em qualquer hipótese, dois terços da remuneração.
O artigo 13 da Emenda Constitucional n. 20/98 determina que "até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social". Embora o dispositivo faça referência a servidores, tem-se que entender que se trata daqueles filiados ao regime geral da previdência social, tendo em vista que o artigo 13 constitui disposição transitória baixada para fixar um requisito para acesso ao auxílio-reclusão enquanto não for o mesmo estabelecido em lei. A única norma constitucional, que precisava da aludida disposição transitória é a contida no artigo 201, inciso IV, com a redação dada pela Emenda 20; nela se inclui entre os benefícios cobertos pela seguridade social o "auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda". Não há, na parte referente aos servidores públicos (artigos 37 a 41) qualquer referência a esse benefício, que pudesse estar abrangida pela norma transitória constante do artigo 13 da Emenda. Por outras palavras, o objetivo do artigo 13 foi apenas o de definir, transitoriamente, o que se entende por "segurados de baixa renda", para fins de auxílio-reclusão. Em conseqüência, não se alteram as normas legais referentes ao auxílio-reclusão assegurado para os servidores estatutários. [11]
28. Deflui, portanto, que o regime próprio dos servidores públicos não é regrado na disciplina do art. 201 da Constituição Federal, que cuida do regime geral da previdência social, tanto que os servidores ocupantes de emprego público, função em contrato temporário ou exclusivamente titulares de cargos em comissão, cuja situação jurídica é definida nos arts. 39 e 40, da Constituição Federal, tiveram que receber especial disposição acerca da sujeição deles ao regime geral previdenciário, e não ao sistema próprio especial dos servidores públicos (art. 40, § 13, CF 1988).
29. Segue, pois, que as regras sobre benefícios previdenciários dos servidores estatutários titulares de cargos de provimento efetivo não estão disciplinadas pelo art. 201, da Constituição Federal, nem são enfeixadas nas disposições da Lei do Regime Geral da Previdência Social (Lei Federal n. 8.213/1991), mas, sim, nos estatutos do funcionalismo público, observados os preceptivos dos arts. 39 e 40 da Constituição Federal. José dos Santos Carvalho Filho, por isso, reconhece a possibilidade de concessão de benefícios previdenciários, inclusive o do direito social do auxílio-reclusão, nos estatutos funcionais dos servidores públicos, e não nas disposições do Estatuto do Regime Geral da Previdência Social:
Há varios direitos de natureza social relacionados nos diversos estatutos funcionais das pessoas federativas. É nas leis estatutárias que se encontram tais direitos, como o direito às licenças, à pensão, aos auxílios pecuniários, como o auxílio-funeral e o auxílio reclusão, à assistência à saúde etc. [12]
30. A conclusão, pois, é de que, com a devida vênia dos que supõem diferentemente, que o art. 13, da Emenda 20/1998, não se reflete sobre a situação jurídica dos servidores ocupantes de cargo público de provimento efetivo, senão incide somente sobre os servidores atrelados ao regime geral de previdência social (empregados públicos, contratados temporariamente e exclusivamente titulares de cargos comissionados).
31. O problema se agrava, na espécie, em face da edição superveniente da Lei Complementar distrital n. 769, de 30 de junho de 2008 (reorganiza e reunifica o Regime Próprio de Previdência Social do Distrito Federal – RPPS/DF e dá outras providências), cujo art. 34, caput e § 1º, regrou que o disposto no art. 13, da Emenda Constitucional n. 20/1998, incidiria também sobre os servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo, restringindo o direito ao percebimento do auxílio-reclusão aos servidores estatutários com vínculo permanente com o DF que tenham remuneração igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais).
32. Segue, inicialmente, que a lei complementar distrital em referência incorreu no equívoco analisado no item anterior de entender que o art. 13, da Emenda 20/1998, se aplicaria aos servidores atrelados ao regime previdenciário especial disciplinado no art. 40, da Carta da República, em vez de sua própria incidência restrita ao pessoal atrelado ao regime geral da previdência social, regido pelo art. 201, da Constituição Federal de 1988.
33. Ao extinguir o direito de perceber auxílio-reclusão dos servidores estatutários, não meramente comissionados, que percebem mais de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), o diploma legislativo distrital incorreu, além do erro de premissa abordado no item anterior de enquadrar na disciplina do art. 201, da Carta, pessoal não-vinculado ao regime geral de previdência social (servidores titulares de cargos de provimento efetivo), numa série de inconstitucionalidades, redundando em incerteza e contradição no próprio seio da Constituição Federal e no ordenamento jurídico como um todo, o que não pode ser endossado em se tratando de hermenêutica constitucional, como se demonstrará.
IV. As regras e postulados da hermenêutica constitucional: os princípios fundamentais
34. Ora, é consabido que as Constituições modernas deixaram de ser mero feixe de normas disciplinadoras do exercício e repartição dos poderes para se tornarem diplomas asseguradores e efetivadores de direitos fundamentais nelas encartados, modo por que a hermenêutica constitucional deve primar pelo respeito aos princípios fundamentais adotados pela Carta Magna em qualquer atividade exegética. Nesse sentido, calham as palavras de André Ramos Tavares:
Princípios sensíveis são, em parte, princípios considerados pela Constituição expressamente como princípios fundamentais. Assim ocorre com a dignidade da pessoa humana. [...] O direito constitucional encontra-se ´todo ele envolvido e penetrado pelos valores jurídicos fundamentais dominantes na comunidade [...] as Constituições modernas contêm a indicação daqueles que são os supremos valores, as rationes, os Gründe da atividade futura do Estado e da sociedade. Outra coisa não ocorre com a Constituição brasileira, que incorpora um extenso rol de valores, embora a eles se refira, em determinado momento, como fundamentos do Estado (art. 1º), em outra oportunidade, denominando-os os objetivos fundamentais da República (art. 3º), além de contemplar inúmeros outros valores referidos difusamente. [...] [13]
35. A primeira premissa que deve ser estabelecida é que a Constituição Federal deve ser interpretada de forma que exista coerência entre suas disposições, que seus princípios fundamentais consagrados sejam respeitados pelo aplicador do direito, que os valores albergados no seio constitucional não sejam paradoxalmente menosprezados pela legislação infraconstitucional nem na exegese que desta se promova à luz da Carta Magna.
36. Disso segue a imperatividade de se sublinhar que qualquer interpretação que se proceda em matéria de regime previdenciário próprio do servidor público, na esfera da Constituição Federal, e também da legislação infraconstitucional de regência da matéria (Lei Complementar distrital n. 769/2008, art. 34), não pode deixar se ser influenciada pelos consectários do princípio da justiça social pela construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, I, Carta de 1988), da existência digna como vetor da ordem econômica brasileira (art. 170, caput, Carta Magna de 1988) e da dignidade da pessoa humana do servidor público e seus dependentes (art. 1º, III, Constituição da República) como princípios fundamentais encartados no próprio Diploma Fundamental pátrio.
37. Sendo assim, a interpretação do direito constitucional e infraconstitucional não pode incorrer em afronta aos aludidos princípios fundamentais, cujo conteúdo é bem abordado pela doutrina.
V. Regime previdenciário dos servidores públicos: conteúdo e teleologia
38. De antemão, todavia, cumpre trazer a lume o conteúdo e finalidade do regime previdenciário do servidor público como pressuposto da interpretação do instituto do benefício do auxílio-reclusão.
39. A esse propósito, Leciona Antonio Penteado Mendonça sobre a seguridade social e sua amplitude:
A universalidade de cobertura, ou universalidade objetiva, significa que a seguridade social deve atender a generalidade dos riscos sociais, não apenas de forma a reparar perdas, mas também preventivamente, evitando o surgimento da necessidade. Nesse sentido, a cobertura deve ser entendida de forma o mais ampla possível. [...] Quanto aos objetivos de longo prazo, as três espécies do gênero seguridade social devem ser entendidas como atividades complementares destinadas a promover o bem comum, a elevação dos patamares da qualidade de vida da população brasileira e a implementação da justiça social, garantindo ao cidadão as condições indispensáveis para sua existência digna. [...] O sistema tem por base o seguro social, onde os benefícios e serviços devem assegurar aos beneficiários os meios indispensáveis à sua subsistência nos casos de [...] prisão ou morte do chefe da família. O cálculo para cada um desses benefícios é feito com base no fator de contribuição do contribuinte, sempre em seu favor ou de seus dependentes. [14]
40. Nota-se da lição doutrinária que o sistema de seguridade social destina-se a proteger o trabalhor da iniciativa privada e do serviço público, bem como sua família e dependentes econômicos, contra os riscos e sinistros da vida em seu caráter mais amplo possível, abrangendo as eventualidades de morte, invalidez, doença e prisão do chefe ou mantenedor da família, de forma a evitar a necessidade e assegurar o mínimo de condições dignas de existência e sobrevivência aos segurados e dependentes, sejam de servidores públicos ou de empregados de regime privado.
41. A universalidade de cobertura, plasmada como cláusula constitucional (art. 194, par. único, I, Constituição Federal de 1988), abrange a proteção contra o mais amplo leque de possíveis fatalidades e casualidades a que se sujeita o trabalhador e sua família, reflexamente, servindo de meio preventivo da miséria e da penúria econômica para os dependentes econômicos do servidor público, os quais precisam dispor de garantia de existência digna no caso de falecimento, enfermidade ou aprisionamento do mantenedor da família. Como escreve Kildare Gonçalves Carvalho:
Como conseqüência da 2ª Guerra Mundial, há a transição para a terceira etapa da seguridade social, a de proteção dos cidadãos, e que se caracteriza pela proteção de quaisquer pessoas, em todos os seus estados de necessidades, em todas as etapas de sua vida [...] a seguridade social é apenas parte de uma política ampla de progresso social porque, se desenvolvida na sua plenitude, pode garantir renda, atacando a indigência, nada obstante os cinco "gigantes" que dificultam a reconstrução: miséria, doença, ignorância, ociosidade e insalubridade. A evolução dos sistemas de proteção social revela que deixaram de atingir somente aqueles que contribuíram para o seu custeio, já que a noção de risco, própria do seguro, não se mostrou adequada à instrumentalização das prestações, passando então a ser utilizado o conceito de necessidade social (há contingências desejadas que não causam dano, mas geram necessidades), resultando em proteção mais abrangente em que a álea dá lugar à contingência, que pode ou não ser desejada. [...] A seguridade social, como um conjunto de medidas que se destinam a atender às necessidades humanasm e que se refere à idéia de liberação de preocupações relativas à sociedade, constitui o instrumento jurídico de que dispõe o Estado para a liberação das necessidades sociais, na forma fixada pelo Direito. [15]
42. Nesse diapasão é que o Estatuto dos Servidores Públicos do Distrito Federal capitula (art. 184, Lei federal n. 8.112/1990, c.c. Lei distrital n. 197/1991): "O Plano de Seguridade Social visa a dar cobertura aos riscos a que estão sujeitos o servidor e sua família, e compreende um conjunto de benefícios e ações que atendam às seguintes finalidades: I - garantir meios de subsistência nos eventos de doença, invalidez, velhice, acidente em serviço, inatividade, falecimento e reclusão."
43. Bruno Sá Freire Martins comenta sobre o instituto do auxílio-reclusão:
Esta espécie de benefício visa cobrir o risco social oriundo do afastamento do obreiro de sua atividade laboral, não importando o motivo de recolhimento à prisão, se por aplicação de sanção penal ou prisão provisória. O auxílio é devido apenas durante o período em que o segurado estiver recolhido em regime fechado ou semi-aberto. [16]
44. Nota-se que a finalidade do regime previdenciário do servidor público, inclusive nos eventos de prisão, é de assegurar meios para que a família do funcionário possa dispor dos recursos econômicos necessários a fazer face ao sinistro do apriosionamento do chefe ou co-mantenedor do grupo familiar. A malsinada disposição da norma complementar distrital ora em cogito representa severo retrocesso na história da seguridade social, desde os seus primórdios, com as caixas assistenciais de corporações profissionais, na Idade Média, seguidas do Act of the Relief of the Poor (Lei dos Pobres de 1601, na Inglaterra, por Isabel I), do seguro social pelos comerciantes marítimos italianos, o primeiro plano de previdência social, com o Imperador germânico Bismarck, em 1883, além dos avanços posteriores à 1ª e 2ª Guerras Mundiais. [17] Por essa razão, não se compreende o passo retrógrado e incompatível com os valores e princípios vigentes na ordem constitucional brasileira imposto pela Lei Complementar distrital n. 769/2008, ao abolir, em parte, o princípio securitário-social para os servidores públicos titulares de cargo de provimento efetivo.
45. Com efeito, todo o panorama da ordem social, com seus postulados mais elementares de promover justiça social, amparar os segurados do regime de previdência social na hipótese de revés da vida, de assegurar existência digna para os dependentes dos segurados servidores públicos titulares de cargo efetivo, em caso de encarceramento, foi lançado por terra, com a inovadora e inconstitucional disposição do art. 34, da Lei Complementar distrital n. 769/2008, ao estender a incidência do art. 201 para os vinculados ao regime próprio especial do funcionalismo público, negando amparo aos filhos e cônjuges do funcionário preso, remetendo-os à miséria e ao desemparo do regime previdenciário para o qual contribui, mensalmente, o servidor titular de cargo de provimento efetivo, negando vigência, ainda, ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que não seria aplicável aos dependentes do agente público contribuinte para o sistema previdenciário público especial, num descompasso marcante com todos os valores incutidos na Carta-cidadã de 1988.
VI. Caráter contributivo do sistema previdenciário dos servidores públicos titulares de cargo efetivo
46. Com outro escopo e espírito daquele visado pela Lei Complementar distrital 769/2008, a Constituição Federal, preocupada em assegurar a viabilidade e efetividade da proteção previdenciária aos servidores públicos e às suas famílias, instituiu regime obrigatório de caráter contributivo, isto é, um sistema mantido por contribuições reais do trabalhador, de forma atuarial, com a devida estimativa dos custos dos benefícios e seu repasse e inclusão no valor da cota de participação do funcionário, o qual, portanto, paga (e sobre a totalidade de sua remuneração) para que seus dependentes sejam tutelados pelo Estado (por meio de recursos oriundos do sistema previdenciário próprio do funcionalismo) em caso de sinistro, inclusive morte, ausência, enfermidade, invalidez, prisão. Consigne-se que não se trata de assistencialismo social, mas de sistema contributivo, mantido pelas contribuições mensais do servidor segurado ao longo de sua vida funcional. Não se cuida, pois, de um favor, uma concessão, um fardo imposto nas costas do contribuinte geral e cidadãos como um todo, mas, ao contrário, os benefícios previdenciários do funcionalismo público, inclusive auxílio-reclusão, constituem o gozo de direito legítimo custeado pelo próprio funcionário público, tanto que existe o critério atuarial para os benefícios previdenciários, os quais ainda são mantidos pelos demais vinculados ao regime próprio dos servidores titulares de cargo efetivo, em vista do princípio da solidariedade. Não se alude, pois, a um custo para a sociedade como um todo, porém de um sistema mantido pelas contraprestações regulares periódicas obrigatórias dos próprios servidores segurados.
47. Em face disso, soa paradoxal que o regime previdenciário remeta a família do servidor público à miséria em caso de prisão, inclusive a processual, não decorrente de uma sentença penal condenatória irrecorrível, mas aquela decretada como simples meio de garantir a instrução do processo-crime e que não configura condenação criminal ainda. Daí a surpresa do quadro que presentemente se antevê em face dos termos do malsinado art. 34, da Lei Complementar distrital 769/2008, ao proscrever o pagamento de auxílio-reclusão aos familiares de servidores que auferem mais de R$ 360,00, os quais são considerados como se fossem indignos da proteção previdenciária e como se não precisassem do concurso estatal securitário-social num sinistro tão dramático como no caso de privação do sustento do núcleo familiar, retrocedendo à quadra histórica anterior à Idade Média, em que não havia regime previdenciário para as pessoas e seus familiares, em que o acaso regia a felicidade ou desgraça e privação até a morte dos núcleos familiares. Será que o Estado deve assistir impassível à necessidade e fome dos familiares de seus servidores presos? É para resultar num cenário de completa falta de solidariedade e de injustiça social e existência sem dignidade que a Constituição Federal foi inspirada do mandamento da instituição de um regime previdenciário próprio para os servidores titulares de cargo de provimento efetivo?
48. As normas constitucionais não podem ser interpretadas de forma a retirar eficácia dos princípios fundamentais do Estado de Direito brasileiro. É um "non-sense". De que valeria assegurar ao servidor público regime previdenciário de caráter contributivo e solidário (art. 40, Constituição Federal de 1988), mediante contribuição dos agentes estatais, se, no momento em que suas famílias ostentam maior necessidade, como é no caso de uma traumática prisão cautelar, por exemplo, o direito positivo distrital remeteria o núcleo familiar do funcionário à própria sorte, negando-lhe socorro, quando, paradoxalmente, seria para atender a uma situação como essa que existe o regime previdenciário do funcionalismo, por determinação constitucional.
VII. Hipóteses de prisão cautelar e auxílio-reclusão
49. A situação de perplexidade e injustiça se agrava quando se aprofunda no problema da hipótese de indevida e ilegal prisão cautelar, cumprida por meses ou anos por parte do servidor que responde a processo penal, posteriormente revogada ou cassada por meio de ordem judicial concessiva de habeas corpus, por exemplo, quiçá fundamentado na falta de justa causa para a própria ação penal, fato que não é raro e que já foi inclusive enfrentado, em parte, por injustiçados servidores, injustamente agravados no exercício funcional e processados criminalmente sem justa causa, embora sem constrangimento ilegal de ordem de prisão (que, em outros casos, pode ocorrer, em tese), aos quais foi concedida a ordem de habeas corpus para trancamento do processo criminal indevidamente manejado pelo representante do Ministério Público. Deveriam as famílias dos servidores, cujas esposas percebam salário, por exemplo, de R$ 400,00 ou R$ 500,00, ou pouco mais do que isso, serem remetidas à amargura de severas e quiçã incontornáveis dificuldades econômicas, tudo por conta do capitulado no malsinado art. 34, da Lei Complementar distrital 769/2008, ao impor a cruel disciplina, descabida para os servidores estatutários, do art. 13, da Emenda 20/1998?

Fonte. Jus Naveganti

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